19.2.04

Inútil



Começou com um simples frasco de catchup. Ele tentou abri-lo de todas as formas e nada. Forçou com as mãos, usou toalhas, molhou a embalagem com água quente, tudo inútil.

- Desiste, Gilberto...depois eu abro isso! - falou a esposa, vendo seu desespero
- Não, Marisa. Agora é questão de honra! - respondeu, nervoso.

Poderia até ser questão de vida ou morte: ele não conseguiu abrir o catchup. Desistiu, irritado, largando o condimento em cima da mesa bruscamente. Marisa largou o que estava fazendo na pia e também resolveu tentar abrir a embalagem.

- É melhor nem tentar, Ma....Acho que não é pra girar a tampa, é pra furar.
- Deixa eu dar uma tentadinha. Não custa nada.
- Se você acha que vai conseguir, boa sorte. - havia desdém na voz dele.

Marisa pegou o catchup e com uma simples girada em sua tampa, abriu o frasco. A cara aparvalhada do Gilberto já era diversão bastante. Por isso o comentário feito por ela incomodou tanto o marido.

- Se você não serve mais nem pra abrir as coisas, pra que você presta, Gil?
- Depois de eu ter afrouxado bem a tampa foi fácil, né? - respondeu irritado, já dando as costas para cozinha. Marisa viu gargalhando sua retirada cheia de dignidade ferida.




- Marisa, quando você vier da cozinha, me traz uma cerveja!
- Tá...mas espera um pouco que estou ocupada.

Marisa notou pelo tom meio irritado da voz do marido que a história da tampa ainda o apoquentava. Por isso nem fez caso do abuso dele, de pedir uma cerveja enquanto ela se matava de trabalhar. Se ele ainda estivesse fazendo algo útil, mas nem isso. Estava prostrado diante da tv assistindo o VT de algum jogo de futebol.

- Ô, Ma! Traz logo!!! Eu não posso sair agora! O Zico tá quase fazendo aquele golaço em cima da Escócia!

Era o fim! Ela ali, cara fervendo diante das panelas, e Gilberto e o filho vendo um jogo de mais de 20 anos de idade. "Quero mostrar pro Maurício o que era um time de futebol!", era a justificativa para ver os tapes da Copa de 82 com o filho, e de tabela ter uma tarde de mordomias sem mexer uma palha. Se não fosse pelo catchup não aberto, Gilberto ouviria umas verdades.

Levou a cerveja pro marido e um suco pro filho. Ia chegando na cozinha quando ouviu o marido berrando.

- MERDA!!!

Marisa voltou pra sala. Não entendia como uma pessoa podia reclamar com tanta veemência de um lance de futebol que aconteceu há duas décadas. E o pior é que ele sabia de cor que a jogada não daria certo. Ele já tinha decorado todo os jogos daquela mal fadada Copa do Mundo.

- Gil, você sabe que eu não gosto que você fique gritando palavrões na frente do menino. Ainda mais por causa de um jogo que você já está cansado de saber o final.
- Não foi por isso, porra! - Gilberto estava descontrolado, para assombro da Marisa - Eu não consigo abrir a merda da lata de cerveja!!!
- O que? - perguntou Marisa, perplexa. Não porque isso também não era motivo pra apresentar tal vocabulário para o filho de 8 anos, mas porque ver seu marido forçando a argola da lata inutilmente era uma cena pra lá de inusitada.

Seria patético, se não fosse preocupante. Pra piorar de vez a situação, vendo o desespero do pai com a lata, Maurício pega a lata da sua mão e a abre, sem o menor esforço. A expressão do Gilberto era um misto de incredulidade e ódio absolutos.

- Toma pai! - disse o garoto, estendendo a cerveja para Gilberto.

A primeira atitude do Gilberto foi olhar para a cara da Marisa. Ela estava compenetrada, e intimamente, rezando para não deixar escapar a gargalhada já entalada na garganta.

- Não adianta fazer essa cara, viu? Sei o que você está pensando e o que você está se controlando pra não rir - vociferou Gilberto.
- Eu?? Imagina! - respondeu Marisa, deixando seus dentes a mostra pela fração de segundo necessária pra o marido perceber que ela ria.
- Vá para o inferno, Marisa! - berrou Gilberto, antes de sair bufando da sala.

Sem a presença do marido, Marisa gargalhou diante do espanto do filho, que não entendeu nada do ocorrido.

- Ah, meu filho, nem fique assustado. Seu pai está um pouco nervoso, só isso.

Abraçou Maurício, ainda sorrindo, mas no fundo um pouco preocupada. O que teria acontecido com Gilberto? E ele devia estar muito estressado mesmo, pra abandonar o VT da seleção canarinho. Pensava nisso enquanto na tv, Zico passava por três zagueiros escoceses e marcava um gol para o Brasil.




Gilberto entrou como um vendaval pelo seu quarto. Bateu a porta e deitou na cama, tentando compreender o que se passava. Nunca tinha ouvido falar de nada parecido. Estava doente, só não sabia como explicar isso para qualquer médico. O que diria ele? Que estava com "síndrome da ineficácia em abrir embalagens"? Não tinha o menor sentido.

Resolveu dormir um pouco. Pensou na piada feminista de que homem só serve para abrir lata de conserva. Percebeu que, no fundo, ele estava mais irritado com a brincadeira da mulher que preocupado com a "doença". Era algo inexplicável, é certo, mas ser sacaneado pela Marisa era pior. "Talvez seja tudo um trote dela", deduziu. Marisa deu um jeito de travar a tampa do catchup e a lata de cerveja só para se vingar dos anos de brincadeiras dele. E para chamá-lo de inútil, claro.

Antes de dormir, iria trocar a bermuda jeans meio apertada e ficaria de cueca. Mas no que Gilberto tentou abrir o botão da roupa, nada. Lembrou daquele regime que se prometia fazer há tempos. Se estivesse menos barrigudo, já teria tirado a bermuda. Prendeu a respiração, encolheu a pança e nada. O botão não saia da casa. Tentou o zíper. Teve o mesmo resultado.

Começou a ficar desesperado. A Marisa não faria uma brincadeira dessas. Estava quase rasgando a bermuda quando começou a gritar pela mulher. Com a porta fechada e ela na cozinha, ela não ouviria. Tentou sair do quarto, mas não conseguiu abrir a porta que ele mesmo havia batido há alguns minutos. A mistura de raiva e frustração fizeram-no esmurrar a porta e gritar o nome da esposa com toda força. Marisa chegou e abriu a porta com a facilidade que ele deveria ter tido para fazer o mesmo. Ela encontrou Gilberto no chão, pronto para dar mais um murro na porta.

- Gilberto?!?! O que houve??? - Marisa estava mais alarmada pela expressão do marido que pela barulheira provocada por ele.
- Ma...temos que ir a um médico...




Depois de contar a Marisa o que tinha ocorrido no quarto e tirado a dúvida se ela era ou não a responsável pela brincadeira que já havia há muito passado dos limites, Gilberto foi com a mulher ao consultório de um médico, amigo do casal. Ele relutara muito em ir no "doutor" Caio. Além de ter que depender da Marisa para abrir todas as portas - o que era uma punhalada no seu machismo enrustido - ir ao consultório de um dos seus amigos mais piadistas era o fim para ele. Sabia que sofreria na mão do Caio, mesmo que o caso dele fosse gravíssimo.

"Desde moleque que falo que você é um imprestável!", foi o primeiro comentário feito pelo amigo médico ao saber de toda a história. Gilberto aturou a piada com estoicismo. Fosse nos tempos de criança, já estariam trocando socos. Caio não parecia muito convencido sobre a estranha enfermidade, até que fez alguns testes com Gilberto. Deu tudo na mesma: gavetas, portas, roupas, bolsas, nem a carteira dele, daqueles modelos clássicos, sem fechos, ele conseguiu abrir.

- O que você tem é realmente muito estranho, Gil - começou Caio - Nunca vi nada parecido. Nem nos compêndios de medicina. Isso só pode ser coisa da sua cabeça. Não sei o que te recomendar.Talvez um psicólogo te ajude.
- Tá falando sério, Caio? Eu, deitado num divâ, porque não consigo abrir as coisas? Vão me mandar prum psiquiatra na mesma hora.
- Também acho. Mas você tem a opção de deixar tudo como está. E tem um lado bom: se você não consegue nem abrir sua carteira, a Marisa não vai mais gastar tanto....

O casal não conseguiu achar graça da piada. Não tendo agradado, Caio voltou a um tom sério que raramente costumava usar. Estava mesmo preocupado, mas não com a saúde física do amigo, mas com a sanidade do Gilberto. Anotou o endereço de um psicólogo conhecido dele e entregou a Marisa, e por via das dúvidas receitou uns calmantes para o Gilberto. Caio sabia como o amigo de infância poderia ficar nervoso.




E Gilberto foi ao psicólogo, sempre acompanhado da Marisa para abrir as portas para ele. As sessões não foram de muita ajuda. De todos os remédios que indicaram, apenas os calmantes surtiram algum efeito, e mesmo assim, durante pouco tempo. A raiva do Gilberto se transformou em frustração e depois em impotência. Estava entregue. Largou o trabalho depois de uma semana de brincadeiras dos amigos. Não agüentava mais as piadinhas sobre sua "inutilidade" ou as gozações pela esposa levá-lo e buscá-lo, como uma criança. Não tinha mais paciência para aturar isso.

Do psicólogo foi ao psiquiatra e depois a cientistas. Chegou a adquirir uma certa - e indesejada - celebridade. Não gostava nem um pouco de servir como objeto de estudo. Passou a não sair de casa, depois do quarto. Somente Marisa e o filho o viam. Não queria visitas, recusava remédios e qualquer outro tipo de tratamento. A única terapia que Gilberto aceitava tinha sido criada por ele mesmo. Sempre que Marisa acordava e se levantava da cama para cuidar das coisas da casa, Gil pedia que fechasse a porta. Ele então levantava, metia a mão na maçaneta e tentava, em vão, abrir a porta. As vezes Marisa ficava atrás da porta e ouvia o choro abafado do marido.




As coisas não melhoraram nada para Gilberto com o passar do tempo. As vezes, sentia o braço meio preso, sem conseguir movimentá-lo. No começo, ele e Marisa pensaram que era estresse ou algo do gênero. Foi quando ele não conseguiu abrir os olhos ao acordar que Gilberto entendeu tudo.

- Marisa, disse ele, balançando a mulher, ainda dormindo, não consigo abrir os olhos.
- Ahn...o que foi? - disse Marisa nervosa...
- Não estou conseguindo abrir os olhos! É isso...ABRIR...Não posso mais abrir os olhos! Por isso meus braços não se mexiam também! Não posso mais abrir os olhos!

Marisa pegou nas pálpebras do marido e seus olhos ficaram despertos. Ela pode ver a expressão de horror do marido diante das sinistras possibilidades do acontecido. Gilberto coçou os olhos e novamente foi incapaz de mover as pálpebras. Marisa correu ao telefone e ligou para Caio, contando as da doença do Gilberto. Combinaram uma visita, para ver o que o amigo médico poderia fazer.

O exame não revelou nada, como todos infelizmente esperavam. Era a mesma estranha enfermidade, mostrando outro sintoma. Cada vez que Gilberto piscava, Caio precisava abrir-lhe os olhos. Toda vez que encostava os braços no corpo, eles precisavam ser deslocados pelo amigo. Caio disse que ele precisava voltar aos laboratórios, precisava de outro tipo de ajuda que ele não podia prestar. Perguntou ao Gilberto se ele concordava com uma nova bateria de testes. Gilberto pensou um pouco e não respondeu nada.

- Fale Gilberto! Você precisa muito fazer novos exames, mas essa é uma decisão sua.
(...)
- Gilberto?
(...)

Caio não entendia o silêncio do amigo, até que Marisa, olhando para seus olhos, viu seu desespero estampado. Ele não estava conseguindo abrir a boca. Caio entendeu e puxou sua mandíbula para baixo. Gilberto apenas falou sim aos exames e ao fechar a boca, ela permaneceu fechada. O silêncio era quase total. Apenas se ouviam os soluços de Gilberto, saindo de sua boca encerrada.




Gilberto foi examinado por uma grande quantidade de médicos e cientistas, sem que se chegasse a uma conclusão sobre sua doença. Eminentes doutores, vindos do exterior, tentaram drogas, ministraram choques, sugeriram operações. Sem efeito. Gilberto, que precisava de ajuda para andar, falar, ver e comer, estava cansado. Depois de meses nessa situação, desistiu.

Deitado em casa, com o corpo completamente saudável mas imóvel, com os braços abertos para poder movimentá-los, prendedores nas pálpebras, uma caneta amarrada entre os dedos para poder escrever o que queria, cutuca Marisa, que cochilava ao seu lado na cama.

Disse para ela esperar enquanto ele escrevia uma nota para ela. Depois de alguns minutos, entregou a folha do bloco a esposa.

"Marisa,

É triste, mas não agüento mais ver nesse estado. Não agüento mais os exames, os médicos, as entrevistas para revistas científicas, as drogas, a dependência de tudo e de todos. Não posso mais ser um fardo para você. Eu desisto. Não quero mais isso. Quero que você me interne num hospital e que lá cuidem de mim. Não quero ser um fardo, um entrave na sua vida. Não quero mais que você seja minhas pálpebras, minha boca, meus braços
."

Marisa leu a mensagem, com lágrimas nos olhos e tentou convencê-lo.

- Não faça isso, Gil. Nós vamos encontrar um cura. E pode ser que isso passe, assim como surgiu do nada.

Gilberto levou sua mão à boca da mulher, pedindo que ela se calasse. Voltou a escrever no bloco enquanto Marisa chorava. Tirou a folha do bloco e entregou a esposa. Depois tirou os prendedores dos olhos e fechou-os, assim como os braços. Parecia um autômato, se desligando.

Marisa leu a nota.

"Não Marisa. É inútil tentar. Como todos os exames foram inúteis, como todos os remédios e tratamentos. O que resta de mim é um corpo, que sem ajuda, é como o de um defunto. Não quero isso pra mim, nem pra você. Acabemos logo com isso. Sou sem serventia agora. A brincadeira acabou virando realidade. Não sirvo para nada."

Por mais doloroso que fosse, Marisa respeitou a decisão do marido. Ele ficou em um hospital, em estado vegetativo, apesar de consciente durante boa parte do tempo. Vivo e raciocinando, mas numa espécie de coma. Inútil.

4.2.04

A máscara



Foi algo que eu não entendi direito. Só sei que quando ela apareceu, parecia usar uma máscara. Não era ela. Definitivamente.

- O que houve? Que cara é essa? , ela perguntou.

Não sabia o que responder. As vezes tenho esses surtos paranóicos, mas nunca foram tão reais. Era ela, mas não era, ao mesmo tempo. Comentei que ela parecia diferente.

- Deve ser meu novo corte de cabelo.

Não era. E ela sabia disso. Ela sabia que a menos que ela passasse a máquina no couro cabeludo, eu não repararia. Tentava desconversar, isso sim. Ela, mais que eu, sabia que algo havia mudado. Falei que ela sabia mais sobre sua mudança que eu. Apesar de ser um dos mais inexplicáveis chavões literários, tenho que dizer: assim que terminei o comentário, uma sombra passou pelo seu rosto.

- Doideira sua.

Seria? Duvidava disso. O problema é que eu não conseguia traduzir em palavras o havia de diferente nela. O olhar talvez? Não, era algo mais sutil, subcutâneo quase. Andávamos pela rua e conversávamos. As mesmas palavras e trejeitos. Era ela. E não era. Definitivamente.

Parece que ela notou meu estranhamento. Tocou no assunto da mudança, exigindo que eu me explicasse. Disse que era melhor resolver esse problema, era preferível a me ver agindo estranho com ela. Não entendi. Então ela falou que eu estava, como ela disse mesmo? A perscrutando com os olhos. Era ela. Só ela falaria perscrutando.

Disse que não saberia explicar o que era, que a melhor definição para minha sensação em relação a ela é de que ela parecia estar usando uma máscara. Ela ficou me olhando, com aquela cara não-ela. Ela deu um sorriso e me pegou pela nuca, me dando um beijo. Não esperava por isso. Não era ela. Não a minha amiga de séculos. Ela nunca me daria um beijo.

Depois do beijo - que foi muito bom, aliás - ela se afastou e pegou no meu rosto. Deu um puxão forte e veio na mão dela um objeto estranho, algo com uma textura de resina emborrachada e cor de pele. Ela esticou a resina com as duas mãos e me mostrou. Era o meu rosto.

- Quem estava mascarado era você. E essa máscara caiu agora, quando você finalmente me viu de verdade. Pela primeira vez.

Choque. Ela era ela, como sempre fora. Eu que havia mudado, a via como sempre deveria ter visto, com olhos livres. Antes era eu, mas não era; agora, nós dois somos.

3.2.04

Pontualidade



Estava ansiosa e por isso não parava de olhar o relógio. Da última vez que conferira a hora, faltavam exatamente 101 minutos para o encontro.

Já tinha tomado banho e acabava de se arrumar. Enquanto penteava os longos cabelos escuros, já faltavam apenas 87 minutos. Achou melhor se aprontar mais rapidamente.

Pediu ao porteiro para abrir o portão da garagem, recebendo seu cumprimento, "bom dia, dona Regina" e não teve tempo, ou melhor, cabeça, para responder. Faltavam 70 minutos. Não chegou a ver o portão se fechando. Saindo em disparada, o carro já tinha virado a esquina.

A cada sinal fechado, uma olhada no relógio que usava. Depois, desistiu: o timer do rádio estava a seu favor: 61 no display contra 58 no pulso. Começou a confiar mais no rádio. A situação se complicou quando viu o relógio enorme na rua. Nem tanto ao céu, nem tanto à terra, na rua faltavam apenas 59 minutos. Estava ficando nervosa. Queria entender a estranha lógica desses três microfusos horários. "Se ele não fosse tão rígido que esse lance de pontualidade", pensava.

"Quem tem um relógio sempre sabe a hora; quem tem dois nunca tem certeza", foi o ditado que Regina lembrou nessa hora. Estava decidida a ignorar a hora. Mas não conseguia. Qualquer ponteiro, qualquer número digital era um tormento. Pisava no acelerador, fugindo dos sinais amarelos. 44 minutos.

Faltavam 22 minutos quando chegou à rua marcada. Agora, encontrar uma vaga era um empecilho que ela já imaginava que teria, mas que não tinha como evitar. Não tinha muito tempo a perder. Assim que viu um espaço entre dois carros, tentou encaixar o seu no meio. Nunca tinha sido especialista em baliza, mas a necessidade às vezes é a mãe da habilidade. Quando conseguiu estacionar o automóvel na mais improvável das vagas e saiu do carro, viu que o flanelinha aplaudia. Ela ainda tinha 17 minutos.

- Muito bem, dona! Pensei que não ia conseguir...

Antes do guardador terminar a frase, Regina já estava longe. Corria, mas não a ponto de suar e borrar a maquiagem, na qual havia consumido preciosos 8 minutos. Pela primeira vez se sentiu aliviada. Com os 12 minutos que sobravam, tinha tempo de sobra.

Chegou ao restaurante e pediu a mesa reservada. As cadeiras vazias já eram seu troféu: ele não havia chegado. Estava 5 minutos adiantada, a primeira vez que o precedia em meses de relacionamento.

Quando ele estava 2 minutos atrasado, Regina começou a se deliciar. Se vingaria de todas as broncas e gozações que sofreu por conta dos seus deslizes com as horas marcadas entre os dois. 10 minutos depois, ela - que não ligava tanto assim para atrasos - já estava rindo sozinha da situação. Era o dia da forra.

20 minutos e nada. Tentou o celular dele, fora de área. Não queria dar o braço a torcer e mostrar que estava irritada com o atraso dele. Estava era preocupada. Onde ele poderia estar? Ele prezava tanto a pontualidade que Regina nunca imaginou vê-lo tão fora da hora acertada. Teria acontecido algo?

Meia hora. Ela já batia o pé no chão, sem perceber. Já tinha desistido do celular. Já tinha bebido dois aperitivos. Algum tempo depois, toca o telefone dela. Era ele. Estava atendendo um cliente, fora da cidade. Não conseguiu falar com ela antes. Que ela fosse comendo, porque ele, infelizmente, não poderia ir. Ela estava tão irritada com - ela já confessava para si mesma - o atraso dele que nem conseguiu falar nada. Ficou até feliz dele não ter aparecido. Teriam um arranca-rabo ali mesmo no restaurante.

Quando ele desligou, Regina viu a hora no visor do telefone. Ele demorou 47 minutos para avisar que não iria.