6.7.04

Tudo certo



Não saberia dizer, dentre todas as coisas inesperadas com que fora presenteado naquele dia, qual delas tinha sido pior. O despertador não tocou, o chuveiro queimou, estava sem cigarros, a condução, um inferno. Isso tudo e ainda não eram 10 da manhã.

Levou a bronca de praxe do chefe. "Atrasado de novo!" já era o seu bom dia fazia algumas semanas. Senta-se na mesa, pilhas de papéis, trabalho atrasado de dias, semanas, até meses. Olhares-reprimenda de todos os lados: companheiros(?) de trabalho, gerentes, sub-chefes e toda uma hierarquia do tédio, conspirando e tramando contra.

"Fodam-se todos!", era o que queria gritar. Resolveu tomar uma atitude. Foi até a copa beber um café. Olhares-reprovação o acompanham.

Como sempre, queimou a mão na xícara muito quente e a língua no café idem. Quando a temperatura da bebida ficou suportável, notou que estava com pouco açúcar. "Hoje está pior que o normal", pensou. E ainda faltava a pilha de papéis, o almoço caro, a volta insuportável para casa...

Acabou o café e foi lavar a xícara - estava cansado das broncas, exclusivas para ele, da servente do escritório - e num movimento descuidado, encostou a mão molhada no fio desencapado da cafeteira. Nunca ia imaginar que uma simples mão molhada e um pedaço microscópico de fio sem capa pudesse causar tamanho tranco.

Acordou num lugar branco, rodeado por pessoas de branco. A claridade era tanta que teve dificuldades em abrir os olhos. Dera sorte: morreu e estava no céu. Já estava imaginando que tudo mudaria quando sente uma mão pesada no ombro. Era o seu superior no escritório.

- Que papelão, hein? Além de matar todos de susto na repartição, você desmaia, quebra uma xícara, uma cafeteira e perde meio dia de trabalho. Saiba que tudo isso vai ser descontado no seu salário do mês que vem.

Vendo que seu sonho de um paraíso não era real, começa a chorar, baixinho. O que faz seu chefe se compadecer dele, pela primeira vez.

- Olha, rapaz, não fique assim! Por que está chorando? Seja homem!!! Está tudo bem com você, eu sei. Não está?

- Está - respondeu, em meio a uma crise de soluços - está tudo absolutamente certo. Certo, como sempre esteve...