22.1.06

Bem-me-quer


para Paula

Era uma garota simples, que cresceu uma mulher simples, mas, no fundo, era ainda uma garota. Simples, como sempre.

Não entedia porque as coisas não davam certo. Com a família, com os amigos, no trabalho, nos relacionamentos. Tudo ia bem, mas depois de algum tempo, as pessoas pareciam não entender que ela não queria nada muito complexo: só queria ser feliz. Mal sabia a moça que esse desejo não tem nada de simples.

Estava em pé no ônibus, espremida entre desconhecidos, sendo apalpada eventualmente - já acostumada, não ligava muito se não houvesse excessos - e sem que o rapaz adolescente sentado no banco à sua frente se oferecesse sequer para segurar sua bolsa.

Entre uma cotovelada e outra em um abusado, ela pensava. Não exigia muito. Não criava problemas pra ninguém. Só queria ter alguém que a respeitasse, que fosse medianamente educado e gentil (queria alguém que comprasse seus sorvetes e umas flores de vez em quando), que soubesse amar uma mulher decentemente - nem exigia fidelidade, desde que o cara fosse discreto. Mal sabia que querer alguém assim era exigir demais.

De repente, o estalo: podia ser essa sua imaginada simplicidade, essa modéstia de sonhos e desejos, a razão de todas as suas insatisfações. Por que não exigir muito? Por que não exigir muito de tudo?

Começou a mudar sua vida no ônibus mesmo, ao descer bem antes de onde deveria. Deu uma cotovelada mais forte naquele que seria o último cara a tirar proveito dela e ficou em um ponto longe daquele trabalho que detestava. Estava agora perto de um parque que nunca tinha entrado, só via pelas janelas dos coletivos que a levavam para o trabalho. Hoje, para estrear sua nova vida, iria conhecê-lo.

Procurou um banco e sentou-se. Depois de uma olhada mais cuidadosa, reparou que o parque não era dos mais bem cuidados. Montes de lixo não recolhido, mato crescendo entre os jardins. O próprio banco em que ficou estava meio quebrado. Não se importou. "Não tem problema, aqui está bom o bastante", pensou.

Teve o segundo estalo do dia. Mas todos os seus problemas não eram criados justamente por conta dessa sua atitude "bom o bastante"? Olhou o lugar onde havia decidido, de certa forma, começar vida nova e viu que ele não era nem de perto o local ideal. Sabia que precisava sair dali, mas parte dela achava que não havia nada demais continuar no parque. Ela entendeu que essa decisão - sair ou ficar - era significativa para o resto dos seus dias.

Pegou uma margarida, no meio do jardim descuidado, entre tufos de grama alta e lixo amontoado. Começou o velho jogo que gostava tanto de fazer na infância. "Bem-me-quer, mal-me-quer". De certa forma, uma volta aos tempos em que não tinha tomado as decisões, certas ou não, que norteavam sua vida até hoje. Agora ela arrancava as pétalas da flor não por uma paixão infantil, mas pela pessoa que mais merecia ser amada por ela, desde o começo.

No fim das pétalas, deu bem-me-quer. Ela se levantou e saiu do parque, sabendo exatamente o que tinha que fazer a partir daquele momento.

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