12.3.02

Liberdade, liberdade…


Esperava começar a sua vida o mais breve possível. Ainda era o filho, forma subalterna de vida, apesar de já adulto. A dependência – família, amigos, namorada – a que se sujeitava era seu pior tormento. Queria a vida com luxúria. A desejava mais que tudo, se jogar de cabeça, mergulhar no profundo mar que a vida lhe oferecia, em suas caudalosas águas. Que fosse pra ser afogar, se perder, seria uma morte que valeria a pena.
Sem laços, poderia finalmente ser livre. Mas como se livrar de amarras que remetem ao cordão umbilical, seus primeiro grilhões? A genética lhe era indiferente, não fazia distinção entre seus pais e o resto do mundo. Nessa hora, eles eram apenas empecilhos no seu caminho rumo à liberdade. Qual seria a melhor forma de apagar laços de escravidão primeva, o despotismo de quem lhe gerou? A resposta era fácil: quem lhe dera a vida receberia a morte como paga.

Matara os pais, com a ajuda da namorada. A sensação de liberdade era inacreditável. Porém, essa escolha implicava em certas medidas urgentes agora. Precisava fugir. Sua namorada, sempre fiel e leal, diz que não deixará você partir sozinho. Você sente na hora os grilhões de volta. Não quer que ela te siga para onde ele vai. Mas ela insiste. E você, sufocado por mais essa corrente, se submete…Por enquanto…

Qual seria a melhor forma de quebrar uma dominação criada através do amor e dedicação? Decidiu transformar esse amor em ódio. Enquanto fugiam, correndo mundo afora, você mudou seu comportamento: no lugar das carícias, as agressões; no lugar dos presentes, os roubos; no lugar da fidelidade, a traição. Ela já não te ama mais. E vai embora. Sua liberdade estava assegurada.

Mas sua busca pela liberdade ainda teria percalços… Sua namorada voltou pra casa e procurou seus amigos. A missão deles era te trazer de volta à razão, como se esse não fosse o momento de maior lucidez em toda sua curta vida. Ela chegou com seus amigos, que vieram com argumentos inúteis e palavras edificantes sem sentido. O você faria para esgotar toda a afeição que eles sentiam por você, essa forma velada de subjugar uma pessoa? Você decidiu agir de forma tão abjeta que nenhuma forma de estima poderia resistir sequer à sua imagem.

Com o auxílio de uma arma, dominou a todos seus amigos, que nunca esperariam essa atitude de uma pessoa tão doce (Há, pensa você…se esses tolos soubessem quão doce é o sabor da liberdade total…). Você tortura sua própria namorada da forma mais cruel imaginável, até sua morte. Pela expressão horrorizada dos seus amigos, você pode até reconsiderar essa relação que há entre vocês. Você os deixa amarrados onde estão, vendo o cadáver da sua namorada lentamente apodrecer…E ninguém ouvirá os gritos deles.

Agora não existem mais laços que te prendam. Você está totalmente livre e sente a dor e o prazer que isso lhe proporciona. Você sente subitamente uma grande ternura pela sua própria vida, como se agora ela tivesse um significado…Então você percebe o que isso significa, em que armadilha você próprio se meteu. Depois de tanto esforço, você finalmente percebe que durante toda sua busca foi um prisioneiro inocente de sua obsessão. Um cordeiro, um inútil que sequer pensou em se rebelar. Isso, definitivamente, não podia continuar assim…

A arma brilha na sua mão. E você já sabe exatamente o que tem de fazer.

11.3.02

Chaos


O sono no coletivo era inevitável. Dormir tarde e acordar cedo já era um hábito há muito tempo, mas de uns tempos pra cá, você parecia mais ter aquela boa resistência de antigamente. Você já acha que tem mais é que agradecer a Deus por ter conseguido arranjar um lugar vazio rápido. Sorte, e isso não é muito comum, ainda mais em plena segunda. Você se sentou e nem fez o esforço de tentar impedir suas palpebras de se fecharem. Deixou-se levar pela correnteza do sono, embalado pelo movimento do coletivo.

Pode ter sido algo com que sonhou – o vestígio dele na sua memória tinha a vaga impressão de queda, o que terá sido? – que te fez acordar sobressaltado. O movimento, involuntário, de tentar se agarrar a algo o fez bater na pessoa sentada ao seu lado. O muxoxo da pessoa não te incomoda. E o seu pedido de desculpa não consegue mudar o mau humor do rosto do seu companheiro de assento. "Deve ser a segunda", você pensa. Esse pequeno drama cotidiano te fez esquecer de olhar pela janela. E de notar que você não está onde deveria.

***


O vento naquele terraço não poderia ter outra definição além da mais comum de todas: cortante. O que diabos poderia você estar fazendo no parapeito de um prédio, logo você, que tem pavor de altura? Não se sabe. Apesar da cena inusitada, você se sente estranhamente confortável nesse lugar. A familiaridade com um lugar no qual você nunca esteve, miraculosamente, também não te incomoda. Aliás, nunca esteve mesmo? Sim, esteve. De alguma forma, você SEMPRE esteve aqui. Esse é o seu lugar. Não importa o que as alucinações que você vinha tendo dissessem, que você não era daí, que você era de outro lugar. Você simplesmente não vai admitir isso.
Olhando pra baixo, você nem sente o medo que normalmente deveria estar sentindo. Sua calma o perturba, o deixa desatento, impede que você perceba a aproximação de uma pessoa. Essa pessoa você já viu. Muitas e muitas vezes.

***


"Onde diabos estou?"…Pelo pouco tempo que parecia ter cochilado, era estranho estar em um lugar que você desconhece tão completamente. Que ruas e prédios seriam esses? Não havia a possibilidade de ter pego a condução errada e você sabia de cor todo seu trajeto. Teria o motorista errado o caminho e entrado em algum bairro mais afastado? Pela falta de protestos no coletivo, essa não poderia ser a resposta. Não vendo uma solução, você se levanta e vai falar com o condutor.

– Que linha é essa, amigo?

O número desconhecido dado como resposta deixou você revoltado. Como pudera dar uma mancada dessas? Todo dia pegava o mesmo coletivo. Burrice, pura burrice…ou talvez cansaço. Vinha dormindo pouco ultimamente. Não sabia a razão dessa sua falta de sono, mas relacionava com os sonhos esquisitos que vinha tendo. Eram bizarramente reais, táteis até. Mas eles se desvaneciam completamente assim que você despertava. Mas as sensações que sobravam já eram o necessário para te atemorizar.

Você desce do ônibus em uma rua cujo nome nunca ouvira falar. Mas de alguma forma você a conhece. E quando você desce, um calafrio corre sua espinha: você, definitivamente, conhece o prédio em frente ao ponto.

***


Como você pode estar aí? O que você pretende? Como chegou aqui? Esse é o meu lugar, você não podia estar aqui, NÃO PODIA!!!! Suma!!! Volte de onde veio…

***


O que havia te impelido a entrar no prédio, você não sabe. Só sentiu a força incorruptível te empurrando entrada a dentro, te fazendo chamar o elevador e apertar o último botão. Em segundos você estava no terraço, abrindo a porta e sentindo o intenso vento. Um homem está no parapeito, em pé. Sua tranquilidade é absurda para a posição em que se encontra, um suicida em potencial. Você se imagina naquele lugar e, esquisito, vê que não veria nada demais nisso. Subitamente parece que seu medo de altura nunca existiu. Você até tem vontade de chegar na sacada e ver a vista. Mas sua presença é notada…e última pessoa que você esperava encontrar começa a gritar na sua direção…

***


Você não calculou direito a distância entre seus pés e a sacada. Ao girar o corpo para encarar aquela…aberração, seu precário equilíbrio acaba. A queda, por pior que fosse seu resultado, não devia deixá-lo tão apavorado. Mas você descobre, justo agora, que tem vertigens. O medo te faz perder as forças, rapidamente. Então você resolve ajudar aquele pobre homem que corre o risco de se esborrachar no asfalto. Você tenta agarrar sua mão, mas ao ver sua aproximação, ele simplesmente se joga. A morte, horrível e inevitável, não é o mais chocante. Pior de tudo é ver seu igual, seu espelho, um gêmeo morrendo. O suicida tinha a sua cara.

***

Você sobe no parapeito e fica estático, olhando para baixo. Não existe o medo de altura, nem com o vento forte que quase o empurra para o mesmo destino do seu igual. Você não tem ideia de quanto tempo ficou lá, inerte. Minutos, horas, dias? Não há como saber, nem como entender o que acabara de acontecer. Seria um sonho? Mais um dos sonhos esquisitos que têm tirado sua paz? Você fecha os olhos com força e, ao reabri-los, você está num coletivo. E você não tem ideia de onde está indo.

8.3.02

Welcome Back, Mr. K


Existe uma Zona Intermediária
Em algum lugar
Onde se esconde um dos senhores que entendem nosso Kaos
Com as pedras que atiramos nele, ele destruiu seu próprio
Castelo
Agora ele vive, ermitão
Na Technoslovakia.
Bem vindo de volta.