8.5.02

Zumbi


Os corpos e coisas foram criadas unas, indivisíveis. Algumas poucas delas conseguem sobreviver ou funcionar bem quando partidas, esquartejadas. Não foram criadas para isso: morrem quando lhes falta parte.

Uma pessoa pode viver bem sem um braço, sem um olho, até sem o estômago. Terá lá suas deficiências, mas não sucumbirá, pura e simplesmente por isso. Mas existem partes nossas que não podem ser retiradas.
Eram duas pessoas, mas depois de um tempo, tornaram-se uma só. Não se concebia um sem o outro, sua associação era automática. Eram felizes, inclusive se levarmos em conta os desentendimentos. Nessas horas, era como se uma doença que se abate sobre um organismo, que o afeta até encontrar a cura para a peste.
Iam juntos. Até que um dia uma das partes, insatisfeita, foi-se. Não houve rusgas. Foi calma a partida, mas nem por isso menos dolorosa. Primeiro, a estupefação da parte abandonada. Não esperava pelo golpe. Um tempo depois, ao assimilar o que houvera, ficará em choque. A apatia era agora seu estado normal. Saia com os amigos, ficava em casa, viajava e era tudo a mesma coisa, aquela tentativa de escapar do inescapável, uma fuga inútil. Não poderia se esconder de algo que estava dentro/fora dela.

Perguntaram porque a parte não procurava esquecer a outra, porque não lutava para superar a perda, porque não tentava viver.

Ele simplesmente não podia. Ele estava morto.

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