9.9.03

Aniversário


Augusto acordou com sete anos completos. Olhou-se do alto do seu pouco mais de metro e meio e pensou "agora sim!", antevendo seu dia. Era taurino e, para azar dos seus pais, "hiperativo": esse novo sinônimo para encapetado. Saiu da cama pulando e gritou com todo ar que seus pequenos pulmões comportavam:

- Feliz aniversário pra mim!!!!

Se eram quinze para seis da manhã de uma quarta, pouco importava. Ele não trabalhava e problema de quem rezava por mais uns minutinhos de sono. Correu pela casa de cuecas e se jogou em cima dos pais, que não foram pegos de surpresa, já que estavam acordados.

- Bom dia, meu filho! Feliz aniversário pra você...

Sua mãe o amava mais que tudo, como toda mãe do mundo. Deu um abraço demora na cria, até que a própria achou que a mãe estava exagerando. Se jogou em cima do pai, que ainda se recusava a levantar. O pai deu um beijo na testa do filho e pediu delicadamente para que ele fosse brincar lá fora, só uns 20 minutinhos. Nem precisava. Depois do beijo paterno, Guto já corria para fora do quarto.

Era seu aniversário. Não escovou os dentes como a mãe mandava sempre, não iria para escola como o pai obrigava. Hoje seria dia de ir pro quintal e se jogar, brincar com as folhas, se atracar com o cachorro, ficar no portão para sacanear os amiguinhos à caminho da aula e depois ficar chateado porque seus amiguinhos não iam poder brincar com ele. Ver TV e jogar vídeo game até a hora do almoço, que seria hambúrguer, arroz, feijão e batatas fritas sorriso. Como sobremesa, um sorvetão de morango, cheio de calda quente.

A tarde ia brincar com os amiguinho que já teriam voltado da escola. Jogaria bola, pique-tá e carniça. Brigaria com todos e riria com todos. Voltaria para casa para o lanche e comeria misto quente com Coca ou iogurte. Levaria alguns amiguinhos, que deixariam sua mãe louca e feliz, com aquele tipo de sentimento contraditório que toda mãe do mundo tem:

- Guto, desce já dessa cadeira, menino! Eu vou te matar!

Veria sua cria crescendo e teria vontade de chorar ao vê-lo, já praticamente um homem. E a ida dele para brincar depois do lanche seria uma antecipação do dia em que ela o entregaria para o mundo.

E depois de um dia de correrias, artes e degustação de insetos, Guto retornaria para casa, sujo, cansado e feliz. Não teria feito nada muito diferente do que sempre fazia, mas era seu aniversário, seu dia, e ele era um rei - pensaria isso como se toda criança não se achasse o centro do mundo todos os dias do ano. Dormiria sem pensar no amanhã, sem imaginar como esse dia, repleto de alegria e sem preocupações, iria se tornar raro num futuro não muito distante. Quando se é uma criança, não se é "pequeno", temos sempre o tamanho certo para dominar o planeta sem sair do nosso jardim. Quando crescemos, podemos nos considerar afortunados se conseguimos dominar nossas parcas vidas, mesmo se nunca mais pudermos falar um outro "agora sim!" com propriedade, como senhor das nossas vontades, de novo.

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