4.2.04

A máscara



Foi algo que eu não entendi direito. Só sei que quando ela apareceu, parecia usar uma máscara. Não era ela. Definitivamente.

- O que houve? Que cara é essa? , ela perguntou.

Não sabia o que responder. As vezes tenho esses surtos paranóicos, mas nunca foram tão reais. Era ela, mas não era, ao mesmo tempo. Comentei que ela parecia diferente.

- Deve ser meu novo corte de cabelo.

Não era. E ela sabia disso. Ela sabia que a menos que ela passasse a máquina no couro cabeludo, eu não repararia. Tentava desconversar, isso sim. Ela, mais que eu, sabia que algo havia mudado. Falei que ela sabia mais sobre sua mudança que eu. Apesar de ser um dos mais inexplicáveis chavões literários, tenho que dizer: assim que terminei o comentário, uma sombra passou pelo seu rosto.

- Doideira sua.

Seria? Duvidava disso. O problema é que eu não conseguia traduzir em palavras o havia de diferente nela. O olhar talvez? Não, era algo mais sutil, subcutâneo quase. Andávamos pela rua e conversávamos. As mesmas palavras e trejeitos. Era ela. E não era. Definitivamente.

Parece que ela notou meu estranhamento. Tocou no assunto da mudança, exigindo que eu me explicasse. Disse que era melhor resolver esse problema, era preferível a me ver agindo estranho com ela. Não entendi. Então ela falou que eu estava, como ela disse mesmo? A perscrutando com os olhos. Era ela. Só ela falaria perscrutando.

Disse que não saberia explicar o que era, que a melhor definição para minha sensação em relação a ela é de que ela parecia estar usando uma máscara. Ela ficou me olhando, com aquela cara não-ela. Ela deu um sorriso e me pegou pela nuca, me dando um beijo. Não esperava por isso. Não era ela. Não a minha amiga de séculos. Ela nunca me daria um beijo.

Depois do beijo - que foi muito bom, aliás - ela se afastou e pegou no meu rosto. Deu um puxão forte e veio na mão dela um objeto estranho, algo com uma textura de resina emborrachada e cor de pele. Ela esticou a resina com as duas mãos e me mostrou. Era o meu rosto.

- Quem estava mascarado era você. E essa máscara caiu agora, quando você finalmente me viu de verdade. Pela primeira vez.

Choque. Ela era ela, como sempre fora. Eu que havia mudado, a via como sempre deveria ter visto, com olhos livres. Antes era eu, mas não era; agora, nós dois somos.

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