3.2.04

Pontualidade



Estava ansiosa e por isso não parava de olhar o relógio. Da última vez que conferira a hora, faltavam exatamente 101 minutos para o encontro.

Já tinha tomado banho e acabava de se arrumar. Enquanto penteava os longos cabelos escuros, já faltavam apenas 87 minutos. Achou melhor se aprontar mais rapidamente.

Pediu ao porteiro para abrir o portão da garagem, recebendo seu cumprimento, "bom dia, dona Regina" e não teve tempo, ou melhor, cabeça, para responder. Faltavam 70 minutos. Não chegou a ver o portão se fechando. Saindo em disparada, o carro já tinha virado a esquina.

A cada sinal fechado, uma olhada no relógio que usava. Depois, desistiu: o timer do rádio estava a seu favor: 61 no display contra 58 no pulso. Começou a confiar mais no rádio. A situação se complicou quando viu o relógio enorme na rua. Nem tanto ao céu, nem tanto à terra, na rua faltavam apenas 59 minutos. Estava ficando nervosa. Queria entender a estranha lógica desses três microfusos horários. "Se ele não fosse tão rígido que esse lance de pontualidade", pensava.

"Quem tem um relógio sempre sabe a hora; quem tem dois nunca tem certeza", foi o ditado que Regina lembrou nessa hora. Estava decidida a ignorar a hora. Mas não conseguia. Qualquer ponteiro, qualquer número digital era um tormento. Pisava no acelerador, fugindo dos sinais amarelos. 44 minutos.

Faltavam 22 minutos quando chegou à rua marcada. Agora, encontrar uma vaga era um empecilho que ela já imaginava que teria, mas que não tinha como evitar. Não tinha muito tempo a perder. Assim que viu um espaço entre dois carros, tentou encaixar o seu no meio. Nunca tinha sido especialista em baliza, mas a necessidade às vezes é a mãe da habilidade. Quando conseguiu estacionar o automóvel na mais improvável das vagas e saiu do carro, viu que o flanelinha aplaudia. Ela ainda tinha 17 minutos.

- Muito bem, dona! Pensei que não ia conseguir...

Antes do guardador terminar a frase, Regina já estava longe. Corria, mas não a ponto de suar e borrar a maquiagem, na qual havia consumido preciosos 8 minutos. Pela primeira vez se sentiu aliviada. Com os 12 minutos que sobravam, tinha tempo de sobra.

Chegou ao restaurante e pediu a mesa reservada. As cadeiras vazias já eram seu troféu: ele não havia chegado. Estava 5 minutos adiantada, a primeira vez que o precedia em meses de relacionamento.

Quando ele estava 2 minutos atrasado, Regina começou a se deliciar. Se vingaria de todas as broncas e gozações que sofreu por conta dos seus deslizes com as horas marcadas entre os dois. 10 minutos depois, ela - que não ligava tanto assim para atrasos - já estava rindo sozinha da situação. Era o dia da forra.

20 minutos e nada. Tentou o celular dele, fora de área. Não queria dar o braço a torcer e mostrar que estava irritada com o atraso dele. Estava era preocupada. Onde ele poderia estar? Ele prezava tanto a pontualidade que Regina nunca imaginou vê-lo tão fora da hora acertada. Teria acontecido algo?

Meia hora. Ela já batia o pé no chão, sem perceber. Já tinha desistido do celular. Já tinha bebido dois aperitivos. Algum tempo depois, toca o telefone dela. Era ele. Estava atendendo um cliente, fora da cidade. Não conseguiu falar com ela antes. Que ela fosse comendo, porque ele, infelizmente, não poderia ir. Ela estava tão irritada com - ela já confessava para si mesma - o atraso dele que nem conseguiu falar nada. Ficou até feliz dele não ter aparecido. Teriam um arranca-rabo ali mesmo no restaurante.

Quando ele desligou, Regina viu a hora no visor do telefone. Ele demorou 47 minutos para avisar que não iria.

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