29.4.05

Rotina


Quando chegou ao ponto às 4 da madrugada e viu que perdeu ao mesmo tempo um táxi e o ônibus que serviria para ele - e que provavelmente demorariam muito para aparecerem novamente - foi que ele sentiu que havia exagerado. Estava bêbado e com a garganta inflamada depois de tanto álcool e nicotina. Mas isso não o impediu de estar com uma lata de cerveja na mão direita e um cigarro na esquerda.

Sentado, a cabeça doendo e a língua sem tato, se perguntou onde diabos seus planos tinham mudado de rumo para estar nessa situação. Havia projetado outra vida para si mesmo, em nada parecida com a que tinha agora. Emprego, sua casa, até seus amigos, que teoricamente só o são por sua própria escolha, não eram o que gostaria que fossem.

Queria saber o que o levava sempre para outros caminhos que não os certos. Tinha um exemplo prático, literalmente, à mão: mesmo com a garganta arruinada e meio zonzo de bêbado, fumava com a esquerda e bebia com a direita. Olhou com nojo para as mãos, sem saber se o asco era para o que segurava ou se para elas. A segunda opção era a mais coerente no momento.

Ônibus que não o serviam passavam, deixando seu rastro de vento e frio. Os raros táxis que passavam estavam todos ocupados, com pessoas mais sortudas que ele. Estava com raiva dessa situação e com mais raiva ainda dele mesmo, por haver, novamente, caído nela.

Burro! - sussurrou para si mesmo, enquanto pisava no cigarro, já praticamente no filtro.

Mas apesar de toda essa aparente revolta consigo mesmo, nada demonstrava que ele procuraria, com o afinco necessário, mudar. Desde a sua posição no ponto de ônibus - prostrado, encurvado e tossindo em um banco público - até o fato de se render à cerveja e ao fumo mesmo quando menos deveria fazê-lo, demonstravam seu comodismo. Na verdade, o conformismo pode muito bem conviver com a revolta. Basta que se tenha inteligência o bastante para saber o que está errado e que não se tenha força de vontade para mudar o que está errado.

Seu ônibus chegou 40 minutos depois. Ele não tinha certeza se era o primeiro deles, depois de tantas cochiladas que havia dado. Subiu irritado no coletivo, descontando esse sentimento na maneira como perguntou ao cobrador se essa demora era normal. Recebeu um "é sim" dos mais desanimados que já ouviu.

Sentou-se em uma das várias poltronas vazias do ônibus, abriu a janela e deixou que o vento frio batesse diretamente no seu rosto. Não sentia calor. Queria que o frio o mantivesse acordado. Passar do ponto onde deveria descer e ter que caminhar, ébrio e chateado como estava, era a última coisa que ele desejava que acontecesse. Não que não estivesse acostumado. Já havia acontecido várias outras vezes, em situações parecidas com aquela. Mas seria um final de noite (dessa noite em especial) "perfeito" demais.

Não hoje. Nunca mais! - pensou, alguns momentos antes de cair no sono, apesar do vento no rosto, apesar da precaução tomada, apesar da revolta que sentia e apesar do sincero sentimento de mudança.

Acordou vinte minutos depois, três paradas depois da sua casa.

Sem comentários: