19.4.02

Nódoa


Sai de casa e sente a chuva bater em sua fronte, com força. Sente a primeira água do outono levar todo o peso que carregas, sente a liberdade de estar leve, não dever mais nada para a vida. Esse vida que te tinha, mais que você tinha a ela. Corre na chuva e veja seu reflexo nas poças e, no seu rosto marrom de lama, veja que a sujeira está toda no chão, que ela corre, que ela vai para o bueiro. Veja seus iguais fazendo igual, expiando seus erros, apagando suas falhas. Observe seus reflexos, enlameados nas poças, correrem como o seu. Veja.

Veja como são muitos. Os inúmeros da tua espécie, a grande malta dos desajustados por culpa, os arrependidos reincidentes, os eternos perdoados. Veja suas lamas-reflexo, seus rostos-peso, suas águas-carregadas-de-culpa indo pelas correntes criadas pelo temporal. Veja os bueiros, como ralos, incapazes de filtrar tamanha imundice.

Os bueiros transbordam e inundam tua cidade. E tudo volta. Pior, mancham, maculam, sujam o que havia de limpo.

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