12.8.03

Herói


O sujeito na frente do herói, sujo, gordo e mal vestido, quem diria, era seu carcereiro. Apesar da revolta, nosso herói não se abateu. Sabia que no momento propício, fugiria da cadeia e esse seria o primeiro a morrer.

- Tira a roupa. Inteira. Até as meias e a cueca.

Nosso herói tirou e teve que se sujeitar a um revista pra lá de minuciosa. O herói queria esmurrar o carcereiro ali mesmo, naquele momento. Não seria uma atitude muito inteligente, havendo um guarda armado ali. E se tinha um defeito que nosso herói não tinha, era estupidez.

- Você vai ser o primeiro a morrer - disse o herói
- Vamos ver - respondeu o carcereiro, rindo e batendo na protuberante pança.

O carcereiro conduziu o herói pelos corredores fétidos da cadeia, segurando-o pelo pescoço, um guarda escoltando ambos. Enquanto o rotundo agente penitenciário abria a cela, nosso herói observou o infecto cubículo: 3 x 3, escuro e repleto da escória da sociedade. Umas 20 pessoas se amontoavam num lugar que seria pequeno para 5. O herói foi jogado dentro da cela, com um safanão.

- Se acomoda aí, meliante. Vai pensando em como acabar comigo - o carcereiro riu novamente, mostrando os dentes falhos e amarelos.

Nosso herói dirigiu-lhe o olhar mais malévolo que podia. Depois olhou do alto para seus "companheiros" de cela, demonstrando claramente que não pertencia ao grupo formado. Ele logo sairia dali. E não iria se misturar com tal gente. Encontrou uma brecha no mundo de gente que estava dentro da cela e sentou-se no chão, sem abrir a boca.

Pegou um cigarro pôs na boca. Não tinha isqueiro, mas não pediu fogo a ninguém. Um cara baixinho e desnutrido, visivelmente nordestino, ofereceu fogo ao nosso herói. Sem falar nada, o herói pega o cigarro acesso do magrelo e acendeu o seu, encostando a brasa no seu cigarro apagado.

- E aí, cara? Tá na jaula por que?

Nosso herói olhou com asco para o preso. Se dignou a responder pelo favor feito por ele.

- Por uma traição...que será vingada em breve, assim que eu sair daqui.
- E você acha que vai sair daqui em breve?
- Eu não acho. Eu vou.
- Você é muito marrento, sabia, mermão?

Quem disse isso foi um negro forte, mais de dois metros de altura. Nosso herói olhou para ele como se ele não passasse de um inseto. Acabara de encontrar um substituto pro carcereiro. Esse seria o primeiro a morrer.

- Ah...Sou?
- É sim. É melhor tu abaixar a bola, amigo.
- Eu não sou seu amigo, e muito menos seu irmão. E se eu fosse você, ficava quieto.

Ao ouvir isso, os presos em volta do nosso herói se afastaram dele, como um bando de ratos diante de um gato. O herói sentia o cheiro do medo deles, e sentiu ainda mais nojo daquelas pessoas, que além de criminosas, eram covardes. O negro se aproximou do nosso herói, que se levantou.

Mas, antes de estar de pé, nosso herói levou um murro no meio do rosto, que o jogou direto na parede. Ele ficou atordoado, e não esperava por isso. Antes que conseguisse se aprumar, o negro acertou-lhe um soco no estômago, que o jogou definitivamente no chão. O herói estava tonto, a visão estava turva e a gritaria dos outros presos não o ajudava em nada para recuperar o equilíbrio. A joelhada no rosto, levada em seguida, foi o tiro de misericórdia. Nosso herói, estava ao chão, prestes a desmaiar. A última coisa que nosso herói sentiu foi a aproximação do negro e seu pé, esmagando sua traqueia, como se fosse feita de papelão.

O corpo do nosso herói foi tirado da cela horas depois, quando já estava prestes a feder. O carcereiro, exibindo seus dentes podres, veio rindo. Já sabia qual seria o destino do "corajoso".

- As vezes, confiança demais faz mal - pensou, rindo, o carcereiro - As vezes, o "herói" morre no começo da história...

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