26.8.03

O Banho


A água quente do chuveiro ajudou Elaine a relaxar. Imediatamente ela lembrou do que o seu cabeleireiro falou sobre a temperatura da água com a qual ela costumava lavar os cabelos. Ele sempre reclamava que no inverno, banho escaldante é um terror para o couro cabeludo, escamava a pele toda e pronto, eis a caspa. Elaine lembrou que tinha que colocar na lista de compras o shampoo de lavagem profunda. E logo depois se recriminou desses pensamentos. Pensar em vaidade numa hora dessas era horrível.

Não se apressou no banho. Sabia que todos a esperavam na sala, mas esse era seu primeiro momento consigo mesma desde...quando mesmo? Nem ela se lembrava. Desde que o estado do Rogério se agravou, todos sempre estavam à sua volta, se não para confortá-la, para estar próximo ao marido doente. Ela sabe que alguns eram sinceros no apoio que ofereciam, eram realmente seus amigos. Outros, infelizmente a maioria, eram aqueles que estavam por perto para, de alguma forma, se aproveitarem do espetáculo que se tornou a doença do esposo. Era inevitável. Ser casada com um homem famoso tinha suas desvantagens.

Desde o dia em que descobriu que sua morte era questão de tempo, Rogério havia se decidido a não ser um moribundo de hospital, não queria ser uma dessas figuras esquálidas, andando de bata, expondo de forma mórbida sua morte lenta. Ficaria em casa. Tinha dinheiro para transformar seu lar em uma UTI, se assim desejasse. E em casa, conseguiria também manter a imprensa afastada por mais tempo. Os repórteres até que demoraram a descobrir o que havia com Rogério. Isso talvez tenha prolongado um pouco sua saúde.

Elaine se ensaboava com cuidado, aplicando delicadamente o sabonete líquido na esponja, sem pressa. Queria se limpar dos flashes dos paparazis que a perseguiram nos últimos meses toda vez que ia ao supermercado, se livrar do cheiro dos falsos apertos de mão e dos abraços dos amigos de ocasião que lhe impregnava a pele. Ela sabia exatamente quem eram os - muitos - urubus de defunto e quem eram os - raros - amigos que estavam do outro lado da porta do banheiro. Nesse momento, ela não queria ver nenhum deles. Nem os que vieram para aparecer nos jornais com seus Ray Bans pretos nem os que vieram confortá-la.

Saiu do chuveiro e se secou com o mesmo cuidado com que tomou banho. Lembrou-se de como Rogério, ainda são e forte, a secava, também lentamente, mas com força, quase arranhando sua pele. E gostava de ver a pele dela vermelha, dizia. Muitas vezes, terminavam fodendo ali mesmo, no banheiro, o que os obrigava a tomar outro banho.

Eu era feliz. - Pensou Elaine.

Colocou o roupão dado de presente pelo marido em um tempo em que ambos eram felizes. Se olhou no espelho defronte a pia e viu o quanto os últimos acontecimentos haviam acabado com ela. Estava sem cor, com olheiras. Amarrou os cabelos num coque, do jeito que Rogério adorava, deixando a mostra seu longo pescoço. Pegou o perfume que ela adorava colocar porque ele adorava sentir seu cheiro nela. Desistiu. Pegou a loção pós-barba dele, que estava pela metade e agora dificilmente passaria dessa marca. Queria estar com o cheiro dele no corpo. Passou pelo corpo a loção e vestiu o vestido preto que ela nunca esperou usar. Se olhou no espelho, se viu pela primeira vez como viúva e chorou.

Elaine secou as lágrimas, abriu a porta e saiu, pronta para sua nova realidade.

Sem comentários: