20.11.03

Rock'n'Roll


Não tenho dormido muito por causa do trabalho estúpido que faço, trabalho estúpido esse que só consegui por ter estudado estupidamente por 5 (seriam 6?) anos numa faculdade cheia de gente tão estúpida quanto eu. Talvez não tão estúpidos: eu sabia o que era ruim e não quis mudar. Segui a trilha da estupidez por escolha própria.

O pior estúpido é aquele que vê e mesmo assim não quer ver.

Horas diante de um monitor, fone de ouvido gritando um rock antigo e a insatisfação gritando mais alto nos meus ouvidos que as guitarras. Relatórios, memorandos e o saco cheio. O velho discurso de sempre. Os velhos dias de sempre. Minha vida fede a bolor.

Um dia eu chuto tudo isso. "Kick out the Jams!!!"

Ha! Eis me aqui saído da minha jaula acolchoada, da minha auto-câmara de gás. Sem walkman, sem pilhas. O sol mata. Até que ela aparece. Ela é o próprio sol.

Óculos escuros e a pele alva. Ela não sua. Ela nunca suaria. Camiseta e jeans surrado. Ouve algo no seu walkman - ela tem pilhas - que a faz balançar a cabeça. Vejo seus lábios cantando a música, sem som. Lábios mudos que rasgaram meu dia ao meio. Se ela quisesse, rasgariam a mim mesmo ao meio.

Ando ao seu lado, ela me ignora. Não sou nada. Ela ouve seu som como eu ouviria, no talo. Consigo escutar a música: "Gigantic/Gigantic/A big big love!". Eu estou apaixonado.

Eu toco seu ombro e ela se vira. Sem falar nada, a pego pela nuca e a beijo, sob os olhares dos curiosos. É um beijo intenso e longo. Ela retribui o beijo. Ela também está apaixonada...

Tá bom. Nem em sonho. Ela continua andando e eu, nada, continuo seguindo. Ela acende um cigarro, para num ponto de ônibus. Eu paro. O simples ato de guardar um maço de Marlboro Lights - ela deve estar tentando parar com o vício, pra fumar filtro branco - é maravilhoso. Eu vou...eu TENHO que falar com ela.

Ela olha o fluxo do trânsito. Dá uma tragada forte no cigarro, ainda dançando com a cabeça. Joga o cigarro pela metade no chão e pisa, girando seu pé em cima da brasa. Eu nunca amei tanto uma mulher como a amo. Ela faz o sinal, o ônibus para e ela joga o resto de fumaça que ainda tinha nos pulmões subindo no coletivo. Ela teve que virar a cabeça para que a nuvem de nicotina e alcatrão não entrasse no ônibus. Essa imagem dela, um pé no degrau, outro na rua, mãos no corrimão, cabeça voltada para trás, foi a coisa mais bonita que eu já vi em toda minha vida.

Ela se foi. Eu não fiz nada.

Volto estupidamente para o trabalho, pros memorandos, pros relatórios, pro meu rock & roll alto dentro dos tímpanos, me sentindo mais estúpido que nunca.

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