19.12.03

A música da cidade



Por entre as esquinas da grande cidade, por entre os vãos dos seus prédios e os penhascos de arranha-céus, sua música silenciosa ecoa. As buzinas do seu caótico trânsito, o pregão dos seus ambulantes, as sirenes, alarmes e britadeiras não fazem parte da sua melodia. Seu som é mais sutil.

Ela vem no vento que rasga suas veias-avenidas. Ela está no rosto das pessoas, cansadas da máquina de triturar humanidades. Nos vértices dos prédios, nas sarjetas imundas, nos letreiros das casas noturnas. Ela está no murmúrio imperceptível por baixo da balbúrdia das feiras, na discreta ressonância das portas das lojas sendo abertas no Centro. Ela está onde não se nota, cifrada onde não se espera.

Eu sento na calçada e vejo os carros passarem. Eu ando em coletivos, eu caminho em alamedas, toco suas máquinas registradoras, faço parte do seu recheio de coletividades. Eu forço meus ouvidos para escutá-la, entre incêndios e brigas, entre lagos e botequins. Sou franco com a cidade e como resposta tenho sua indiferença.

E não ouço sua música.

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