15.12.03

O aríete



Era mais um daqueles processos em que uma pessoa vai morrendo, lentamente, dentro da gente. Nem era coisa pra se deixar de gostar dela. Definitivamente não era o caso. Eu ainda gosto dela e muito. Mas que decepção.

Fazer o que? As vezes agimos de forma estranha. Ela saiu da minha vida pela porta da frente, com a sutileza de uma invasão policial. Só me faltava conhecer quem tinha dado o chute na maçaneta. Não buscaria reparação, nem satisfações de quem nada me devia. Eu só estava curioso.

No fim das contas, ele foi só um pé em uma porta, que por sinal, tinha uma fechadura muito da vagabunda. Não fosse ele, outro viria e arrebentaria com tudo. Como veio outro e arrebentou outra porta, dessa vez a deles dois. A porta deles era mais frágil do que tinha sido nossa.

Passou. Troca-se a porta ou decide-se morar ao relento. Não há mais o que arrombar. Mas eu ainda tinha curiosidade. Queria entender o porque. Na pior das hipóteses, seria divertido.

Não foi. Encontrei com ele por acaso. Balcão de bar. Eu com uma cerveja e um conhaque. Ele, com uma garrafa de água. Me pediu o isqueiro. Tossiu na primeira tragada e jogou o cigarro fora. Comentou comigo que estava tentando parar com os vícios, assim mesmo, no plural. Fazia bem. Ele parecia estar às portas de um enfarto.

Ele queria papo. Logo comigo, que detesto estranhos muito amigáveis. Contou um pouco da sua vida. Não precisaria nem começar para ver que seu melhor momento tinha sido há muito tempo. O que me deixou intrigado era que sua história não me era estranha. Perguntei seu nome. Era ele. O aríete.

Tive vontade de rir, mas só no começo. Ele era engraçado, mas não de uma maneira lisonjeira. Não se demorou muito ali. Pendurou sua água com o dono do boteco e saiu.

Até mais - foi o que disse.

Fiquei eu lá, meu cigarro, meu Domec e minha cerveja no fim. E meus pensamentos, claro. Era incrível ela ter visto algo em alguém como ele. Não era sua aparência (ele poderia estar em melhor estado à época) nem o que ele me contou (sabe-se lá se eram verdadeiras suas histórias). Eu só não conseguia entender como pode ter acontecido com ele, tão diferente de mim. Pior: tão diferente dela. Se o que eu sentia era pena, ainda não sei. Podia ser pena pelo que poderíamos ter sido, pena dela por se envolver por tal bufão, pena dele por...vá lá, talvez por despeito. E tirando o que pode ter sido pena, restou também o desapontamento. Com ela, por ter ficado deslumbrada pelo charme decadente dele e comigo por ter perdido a disputa. Com ele não. Ele apenas cumpre o papel que destinou para si de melhor forma que pode.

Paguei minha conta e saí, pensando nesse encontro casual e em tudo que havia acontecido antes. Não estava triste, nem alegre. Agora, o que se podia fazer? As pessoas agem de forma estranha.

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