11.7.02

Homem de Gelo


Depois da terceira desilusão amorosa em 2 meses, decidiu se tornar uma pedra de gelo. O processo era complicado. Tinha de abandonar o calor de todo tipo de emoção que restasse em seu corpo, trazendo com isso seus vários efeitos colaterais: rigidez das articulações, queda de cabelos e unhas, tremedeiras, entre outros, mais graves. Chorar, por exemplo – processo quase inevitável de ocorrer quando se expurgam todos os sentimentos de um corpo – poderia ser extremamente desagradável. As gotas congeladas descem pelo rosto, ainda em processo de congelamento, causando queimaduras.

Depois de haver sido esvaziado de todo tipo de emoção, já tinha a pele translúcida e congelada. Após reaprender a se locomover, apesar de suas articulações duras, teve que comprar uma roupa impermeável para não inundar sua casa. Dormia no freezer, local que aliás, teria que passar boa parte do tempo. Ele encarou o processo de transformação em gelo com altivez e determinação. Mas esqueceu-se desse detalhe. Teria que viver em uma câmara frigorífica, como um pedaço de carne resfriada. Esqueceu-se da contrapartida de ser uma pessoa congelada: derreteria em pouco tempo. Sem emoções, frio, sendo gelo, definharia, aos poucos. Como não queria viver recluso em uma geladeira, se deixou derreter.

Na sala sobrou um impermeável encharcado. E só.

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