3.7.02

Transubstanciação


"A fé remove montanhas!", era o bordão de Tião. Católico fervoroso, a fé, por muitas vezes, era seu único alimento no agreste onde morava. A seca parecia um sinal do abandono Dele. Todos da sua grande família – mulher, sogra, seis filhos, cachorro sarnento e lombrigas nas crianças – já pensaram nisso, alguma vez. "Ele não olha mais por nós", era o que estava escrito nos seus olhos ao contemplarem o solo rachado como seus pés.

Mas não Tião. Tião tinha fé. Muita fé. Ia a missa todo domingo, se confessava e comungava sempre com o padre Pedro. Rezava fervorosamente nos cultos, por mais comida, por mais saúde, por alguma chuva. Ele parecia não ouvir sua voz débil de subnutrido.

Um dia seus filhos começaram a cair como moscas. Primeiro Tonho, depois Bené, depois Ritinha. Filomena, sua mulher, desistira Dele de vez. Se Ele olha pelo cachorro e não olha pela suas crias, pra que continuar confiando?

Tião não. Ele ainda acreditava nEle. E rezava. Um dia, na missa, foi comungar. Estava desesperado. Já havia perdido três dos flhos, e Ciro, o quarto filho, parecia que atenderia Seu chamado a qualquer momento. Então Tião rezou e rezou e rezou, mais humilde e mais fiel que nunca. A hóstia estava em sua boca. Ele só pedia um sinal, qualquer coisa. Queria uma prova de que Ele não os abandonara.

Tião começa a sentir algo estranho no boca. A hóstia, que tinha sido seu único alimento no dia, começa a esquentar. E pior, crescer de volume. Já estava do tamanho de uma mexirica quando ele não teve opção além de – heresia! – cuspi-la.

No chão, borbulhando, crescendo sem parar, a hóstia vira um corpo. Era o sinal. O Deus de Tião nascera do seu próprio escarro.

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