15.8.02

Raso


Acordou sentindo-se superficial. Não no nível das ideias, onde até se destacava. Sentia-se leve no corpo, como se fosse uma folha de papel.

Teve medo de sair de cama e com o impulso tomado ir parar no teto. Sentia que tinha apenas duas dimensões. Se alguém se dispusesse, poderia pegá-lo e fazer dele um rolo, como uma planta de arquiteto em papel vegetal.

Se aventurou em levantar. Não saiu flutuando como temia, mas ainda se sentia leve, sem peso. Se vestiu. As roupas lhe dariam alguma massa, pensou. Não funcionou. A vestimenta que lhe cobria a nudez adquiriu suas propriedades corpóreas.

Começou a se desesperar. Resolveu não sair de casa. Só de imaginar o que poderia lhe acontecer na rua – o vento, as trombadas com as pessoas nas calçadas – tremia. Esperava sinceramente que esse problema acabasse rápido.

Mas não acabou. As horas, os dias, as semanas foram passando. Ele dormia, acordava, voltava a dormir e continua praticamente etéreo. Não sabia mais o que fazer. Não comia mais, não atendia o telefone. E o mais revoltante: ninguém deu por sua falta. As semanas viraram meses. Ele não definhava, mesmo sem se alimentar. E mesmo desaparecido, nada de procurarem por ele.

Desenvolveu uma teoria. Perdera a massa porque era, metaforicamente uma pessoa rasa. Começou a achar que não havia mesmo porque alguém procurá-lo. Todas as suas amizades eram superficiais, assim como seus assuntos, seus gostos, sua vida. Era uma espécie de ironia do destino.

Resolveu se matar. Abriu a janela do quarto, que desde sua mutação vivia fechada pelo medo que tinha das correntes de vento no 13º andar, e resolveu se jogar. De um pulo só, saiu flanando pela janela. Como ele esperava, seu corpo não caiu. Ergue-se no ar, como uma pipa contra o vento. Ao se ver voando, pensou que de repente sua vida até que valia a pena. Desistiu de se matar. Mas o que faria agora?

Pássaro de primeira viagem, não conseguia controlar seu voo. Seguia a vontade das brisas, as vezes indo acima dos arranha-céus, as vezes dando rasantes pelas avenidas repletas de carros e civilização. Quem o via, julgava ser um boneco de ar. Bem feito, mas um boneco. Cansado e meio enjoado das suas acrobacias involuntárias, começou a gritar por socorro. Mas ninguém o ouviu.

Uma corrente de ar quente o elevou, mais alto que nunca. O desespero e a falta de ar o fizeram desmaiar. Da rua, as pessoas apontavam para o balão que ia tão alto. Não conseguiam ver-lhe a forma.

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