16.9.02

Amor de mentira


O sujeito acordou um dia, olhou para o lado, viu sua mulher e percebeu que ela lhe era uma completa estranha. Nada sabia sobre seus anseios mais profundos, o que ela realmente desejava para sua vida. Não fazia ideia de que sonhos podiam estar acalentando seu sono. Estava casado há 9 anos com a mulher.

Ficou olhando sua esposa. Até aquele dia sempre pensara que o motivo do seu casamento era o amor que nutria por ela. Mas o que era o amor? Isso, uma rotina de beijos de beijos de bom dia, o–que–quer–pro–café, almoços esporádicos no Centro da cidade, como–foi–seu–dia no fim da tarde, um jantar ou outro sozinhos ou com amigos e sexo mais ou menos interessante 3 vezes por semana, com certeza, não era sequer um invólucro de amor, nem mesmo seu mais pálido arremedo.

Saiu da cama sem fazer barulho. Juntou algumas roupas em uma mala, fazendo questão de esquecer ternos e gravatas. Pegou sua carteira e saiu.



A mulher, ao acordar, notou o sumiço das roupas e vendo a pasta 007 de couro do marido na mesa, notou que ele não tinha ido trabalhar. Achou estranho e ligou para o celular dele. Ele tocou a menos de 2 metros dela, de dentro do terno usado no dia anterior por ele.




Ele foi ao banco e zerou sua conta. Pegou cerca de 87 mil reais, colocou na sacola de ginástica que carregava e saiu. Foi a pé até a banca mais próxima e comprou um jornal. Foi direto nos classificados. Encontrou o que queria em pouco tempo:

Wanda
Loira tipo mignon, olhos azuis, 18 aninhos, muito liberal. Faz porque gosta. Atendimento em casas e motel. Tem privê. Tel: 9999–9999.


Ligou de um orelhão. Wanda parecia cansada, ainda não eram dez da manhã. Marcaram no apartamento dela.

Ele pegou o táxi e parou no prédio repleto de conjugados em Copacabana. Wanda apareceu, tinha acabado de tomar banho e mesmo não conseguindo esconder suas olheiras com a água e o sabão, era bonita. Ele tinha quase certeza que os 18 dela começaram a ser contados uns 5 anos depois do seu nascimento, no mínimo. Não que isso importasse.

Ele entrou sem falar nada. Ela já conhecia esses tipos esquisitos. Não ficou assustada, ele não parecia violento. Foi logo falando quanto seria o programa, mas ele o interrompeu.
– Quero saber quanto você cobraria para me amar…

Vendo a cara de estupor de Wanda, ele explicou sua proposta. Ele estava cansado da sua vida, tudo lhe era enfadonho. Estava cansado dessa vida real que lhe impuseram, da qual ele não teve forças para resistir. Queria emoções de verdade, nem que fossem de mentira. Queria paixões pagas, amores de mentira, mas que em sua falsidade, pelo menos parecessem com algo palpável. Perguntou quanto ela cobraria para deixá-lo morar com ela, por um mês. Pagaria o aluguel e os programas que ela faria à noite. As únicas condições eram a exclusividade – seria só dele, por um mês – e fingiria que o amava como nunca amou alguém antes. Ele queria devoção total, queria que Wanda o fizesse sentir não como o maior dos homens sobre a Terra, mas que ele fosse o único. Ela não sabia o que dizer, nem quanto cobrar e o que mais lhe assustava: esse era mais estranho que a maioria.



A mulher começou a ficar preocupada. O porteiro do seu condomínio de luxo tinha visto seu marido descer com uma mochila e roupa de ginástica, logo cedo. Ela ligou para o trabalho e nada, para a família e nada, para os amigos e nada. Não sabia onde ele poderia estar. Logo hoje ele foi resolver de aprontar uma dessas. Eles tinham um almoço marcado com a Marizete e o Edu. Onde andaria esse homem???




Wanda aceitou a proposta por 30 mil, recebendo mil por dia. Mil por dia era muito mais do que ela conseguia tirar, mesmo nas melhores épocas. Ela perguntou se ele traria algum tipo de mudança. Ele disse que a única mudança que era importante para ele nessa hora era a que fazia em sua própria cabeça. Wanda não deu importância à resposta. Já conhecia esses tipos esquisitos. Pediu para ver a grana e ele mostrou na sacola. Ela nunca tinha visto tanto dinheiro junto e pensou que o sujeito devia ser mesmo louco de andar por aí com aquela grana toda e pior ainda, mostrar para um garota de programa, na sua própria casa, que estava tão endinheirado. Ou ele tinha muita autoconfiança ou era mesmo maluco. Ele era mais estranho que a maioria.



No segundo dia desaparecido, ela resolveu dar queixa na polícia. Soube que seu marido tinha encerrado sua conta bancária e que não parecia nem um pouco preocupado com isso. Na delegacia, desconfiaram de um sequestro relâmpago, apesar de dois dias ser um tempo longo demais para ele não aparecer. A imagem do seu marido apareceu em todos os jornais e na TV. O engraçado é que ela nem conseguia ficar muito triste. Mas reparou que a foto usada na divulgação o deixava mais magro.




Wanda viveu os melhores dias da sua vida, assim como ele. Ela foi a melhor das mulheres e a amante mais devota. Ele gastou todo seu dinheiro com ela, em noitadas, presentes e viagens em profusão. Estava falido e feliz. No fim do prazo, ele se levantou, olhou Wanda deitada ao seu lado, e imaginou que, mesmo não tendo nada além de uma transação comercial com ela, achava que tinha sido mais feliz e que de certa forma a amava mais que àquela mulher com que havia se casado, há pouco mais de 9 anos. Foi embora sem fazer barulho, levando apenas o que tinha trazido no dia em que chegou ao apartamento. As roupas que comprara, os equipamentos de áudio e vídeo e outros eletrodomésticos foram deixados para traz. Wanda não acordou com sua saída.

Como se não tivesse demorado mais que alguns minutos, ele voltou para casa. Sua mulher ficou surpresa, mas se refez do susto em pouco tempo. Não teve arroubos de felicidade, mas também não foi indiferente. Pediu explicações, no que foi prontamente atendida. Após ouvir a história daquele homem com quem havia vivido tanto tempo, viu que não o conhecia. E se ele tinha o direito de procurar a felicidade, ela também tinha. Deixou-o na cozinha. Alguns minutos depois, voltou, mala em punho. Deu um tabefe na cara do seu marido e saiu, sem dizer palavra.

Nesse momento, ele teve a impressão de ter compartilhado primeira vez algo de real com sua esposa.



Wanda acordou sozinha na sua cama. Percebendo o que havia ocorrido, chorou. Ele não havia sequer dito seu nome para ela.


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