9.4.03

O conselheiro



Gostava de brincar com listas telefônicas. Passava horas folheando-as, sentindo a textura do seu papel vagabundo e sujando a mão com sua impressão barata. Escolhia algum número, de forma aleatória, e ligava. Não importava a hora. As vezes, às duas da tarde; outras vezes, às três da manhã. Não, não passava trotes. Ele dava conselhos para as pessoas.

- Ao acordar, viva!

Era isso e desligava. Depois de falar seus conselhos nem sempre compreensíveis à primeira vista, batia o telefone. Nem dava tempo de ser ofendido. Sentia que fazia um favor aos escolhidos. Até invejava-lhes a sorte. Ele próprio, que ajudava tanta gente, não tinha ninguém que para lhe oferecer uma palavra amiga. E era um único contato. Depois de ligar para os números, fazia questão de não os anotar, nem mentalmente. Sua ajuda terminava ali.

Um dia, após ter feito uma ligação às 10 da noite, o telefone dele tocou. Era uma moça do outro lado.

- Eu falo com o número 2222-3333?
- Isso...Com quem deseja falar?
- O que significa "Abrace a si mesma amanhã"?
- Ei?!?!?! Como você descobriu meu número?
- Eu tenho bina...Quem é você? Por que ligou pra mim? E o que significa isso?


Desligou o telefone. Não estava em suas prerrogativas explicar seus conselhos.Cada um dos agraciados que interpretassem seus conselhos como melhor os aprouvesse. E tinha sido muita audácia da moça, retornar a ligação. Mas não tinham se passado dois minutos e o telefone tocou novamente.

- Não vai me explicar?
- Não tenho o que explicar...use o conselho se achar que deve...
- Que conselho? Aquilo que você me disse era um conselho?
- Era...entenda ele como quiser.


Desligou novamente. E novamente, momentos depois, o telefone tocou. Atendeu. Não conseguia evitar. Era completamente contra deixar o telefone fora do gancho. Achava que, se tinha uma linha telefônica, era para ser usada. Ele desligou uma outra vez, e mais outra, e ela sempre retornava em pouco tempo. Na quarta ligação, conversou com ela. E a conversa até que foi indo bem. Descobriu que ela morava só, como ele e que - coincidência das coincidências! - ela trabalhava na companhia telefônica.

No dia seguinte, fez umas duas ou três ligações e seu telefone tocou. Era ela. Dessa vez, não só não desligou, como ficou conversando com ela durante um bom tempo. Falou coisas sobre a vida dele para ela e ela deu a ele uns dois ou três conselhos. Foram dormir era quase dia claro. Logo ele, que nunca tinha feito uma ligação com mais de 5 segundos, passou horas conversando com alguém.

Acordou pensando nela. Pensou em pegar sua lista telefônica, mas desistiu. Ela poderia tentar falar com ele e a linha não poderia estar ocupada. Esperou o dia inteiro, angustiado. Não sabia o que fazer. No começo da noite, seu telefone tocou. Correu para atender.

- Oi..
- Oi!!!! Esperei você me ligar o dia todo....
- Eu estava no trabalho. Lá eu não posso te ligar...


E ficaram outras várias horas no telefone. Ela já sabia tudo sobre a vida dele. E sempre lhe dava conselhos, que ele achava muito úteis. Uns dos conselhos que seguiu foi o de abandonar o hábito de fazer ligações para estranhos. "Já ninguém pediu seus conselhos, não há motivo para você dá-los!", ela dizia. Ele achou certo. Assim acabou sua vida de conselheiro anônimo.

Mas algo estranho aconteceu. Depois de conhecê-la, passava horas diante do telefone, esperando por uma ligação dela. Ela quase sempre ligava, mas quando ela não podia, ele não sabia o que fazer. Ficava louco, querendo saber o que ela acha que ele deveria fazer. Depois de anos de conselhos dados à estranhos, agora, dependia dos conselhos de uma amiga - já a considerava assim - para fazer qualquer coisa. E, o mais irônico de tudo: ele nem tinha o número dela.

Sem comentários: