2.4.03

A unha encravada da madame


A madame morava só em um apartamento em Copacabana. Tinha um periquito em casa, sua companhia quando a empregada não estava. Seus filhos? Esses tinham voado faz tempo.

Morava só desde que havia ficado viúva. Não se daria ao desfrute como suas vizinhas da mesma idade, que assim que ficavam sós na vida, procuravam logo outro homem para lhes acompanharem até a morte. Amava muito seu falecido esposo para fazer isso. Não reclamava da solidão. Mas a sentia.

A solidão, para ela era como uma unha encravada. Incomodava, mas não morreria por causa disso. Tivera uma boa vida. Se divertiu muito, teve dinheiro e o gastou da melhor forma possível. Namorou, casou, teve filhos. E, assim é a vida, as coisas começaram a envelhecer e se deteriorar. Como sua família, seu bairro, sua cidade. Viu seus filhos – muito bem criados – partirem, assim como seu marido, depois de longos 40 anos de casamento. Viu a decadência da sua Copacabana, assim como do Rio de Janeiro em geral com dor. Nem tinha mais vontade de sair de casa. Só dava suas voltinhas na praia para não apodrecer em casa. Mas nem disso fazia questão. Nunca sabia quando poderia ser assaltada ou levar uma bala perdida na cabeça.

Sinceramente, ela gostava da sua “unha encravada”. Se sentia algum incomodo por ser mais uma velhinha solitária entre tantas, era porque tinha com o que comparar sua atual realidade. Sua vida agora só era triste em relação à sua vida no passado. Ela preferia ser feliz com suas recordações a ser triste com seu dia-a-dia. E quando estava sozinha – ah! – aí sim, ela tinha mais calma e tranquilidade para lembrar de tempos mais alegres. Sua “unha” era o que a fazia, se não se sentir viva, sentir que já teve uma vida.

Ela fazia pouco das suas vizinhas, que tinha pavor de morrerem sozinhas. Como se quem quer que fosse que elas arranjassem não fossem só uma muleta, alguém para segurá-las e serem segurados, indo juntos para um fim sem um terço do brilho que tiveram no passado. “Antes só que mal acompanhada” era seu lema agora.

No fim das contas, a solidão era sua melhor companhia.

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